terça-feira, 23 de setembro de 2008

Oficina de 23 de setembro de 2008 - Narrador presente e ausente






NARRADOR



Alguém que pode ou não participar dos fatos que conta.



Em qualquer texto de ficção, não é o autor que se dirige diretamente ao leitor. O autor cria uma espécie de intermediário entre o leitor e o universo ficcional. Este intermediário chama-se narrador.



Narrador é aquele que conta a história. Ele pode fazer parte da história, ou apenas contá-la para o leitor. Quando o narrador faz parte da história, isto é, quando também é uma personagem, dizemos que é um narrador em primeira pessoa.



No conto "O peru de Natal", de Mario de Andrade, o narrador faz parte da história:



O nosso primeiro Natal de família, depois da morte de meu pai acontecida cinco meses antes, foi de conseqüências decisivas para a felicidade familiar. (...)

Participando dos fatosNesse caso, o narrador vai contar uma história acontecida com ele mesmo. Veja as expressões grifadas (nosso, meu). O narrador conta os fatos de que ele mesmo participa.



Na narração em primeira pessoa, há uma fixação clara do ponto de vista. O leitor entra em contato direto com o universo ficcional. Em "O peru de Natal", conhecemos a história pela perspectiva do filho.



Como o leitor entra em contato direto com o universo ficcional, tem reforçada a impressão de autenticidade, pois está muito próximo da ação, pois ela é apreendida sempre pelo ponto de vista deste narrador-personagem.



Mas nem sempre o narrador faz parte da história.



Fora dos acontecimentosMuitas vezes o narrador está distante em relação àquilo que vai contar, ele não se envolve com a narrativa. Nesse caso, falamos em um narrador em terceira pessoa.



O narrador em terceira pessoa está fora do plano dos acontecimentos. Não participa da história. Por isso mesmo, tem uma ampla liberdade de narrar: não têm o "rabo preso" com ninguém.



Funções do narradorAo contar uma história, o narrador desempenha várias funções. Tem que apresentar as personagens, a seqüência dos fatos, descrever o ambiente em que eles se passam. Diz-se que o narrador é o intermediário entre a narrativa e o leitor. Ele coloca o universo ficcional diante dos olhos do leitor.

Leia este trecho do conto "O poço", de Mário de Andrade.



Ali pelas onze horas da manhã o velho Joaquim Prestes chegou no pesqueiro. Embora fizesse força em se mostrar amável por causa da visita convidada para a pescaria, vinha mal-humorado daquelas cinco léguas cabritando na estrada péssima. Alias o fazendeiro era de pouco riso mesmo, já endurecido pelos setenta e cinco anos que o mumificavam naquele esqueleto agudo e taciturno.



Observe como se trata de um narrador em terceira pessoa.



Apesar de não participar da história como personagem, o narrador desempenha diversas funções importantes:



 O narrador conta um fato (Joaquim Prestes chegou no pesqueiro). Situa este fato no tempo (onze horas da manhã) e no espaço (no pesqueiro).



 Esclarece as circunstâncias deste fato (havia uma visita convidada para a pescaria, ele tinha andado cinco léguas numa estrada horrível).



 Descreve Joaquim Prestes fisicamente (era magro e alto, parecia uma múmia).
 Descreve Joaquim Prestes psicologicamente (era taciturno e mal-humorado).
Além disso, podemos observar ainda que o narrador já nos apresenta um elemento dramático, conflituoso, uma dica do que está por vir (apesar de Joaquim Prestes estar mal-humorado, ele tem de se mostrar amável para a visita).


* ESTE TEXTO NA ÍNTEGRA PERTECE A: Heidi Strecker é filósofa e educadora.


Como exemplos de narradores presentes e ausentes nos textos temos:
Dona Doida de Adélia Prado preocupou-se com o formato da apresentação do texto, e onde o narrador conta a história na primeira pessoa: eu
Dona Doida
Adélia Prado

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.

Quando se pôde abrir as janelas,

as poças tremiam com os últimos pingos.

Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,

decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.

Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,

trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.

A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,

com sombrinha infantil e coxas à mostra.

Meus filhos me repudiaram envergonhados,

meu marido ficou triste até a morte,

eu fiquei doida no encalço.

Só melhoro quando chove.

O texto acima foi extraído do livro "Poesia Reunida", Editora Siciliano - 1991, São Paulo, página 108.

E, Os bonecos de barro de Clarice Lispector onde o narrador não está presente no texto, sendo o texto narrado na terceira pessoa: ela


(trecho de) Os bonecos de barro
POR CLARICE LISPECTOR

O que ela amava acima de tudo era fazer bonecos de barro — o que ninguém lhe ensinara. — Trabalhava numa pequena calçada de cimento em sombra, junto à última janela do porão. Quando queria com muita força ia pela estrada até ao rio. Numa de suas margens, escalável embora escorregadia, achava-se o melhor barro que alguém poderia desejar: branco, maleável, pastoso: frio. Só em pegá-lo, em sentir sua frescura delicada, alegrezinha e cega, aqueles pedaços timidamente vivos, o coração da pessoa se enternecia úmido quase ridículo. Virgínia cavava com os dedos aquela terra pálida e lavada — na lata presa à cintura iam se reunindo os trechos amorfos. O rio em pequenos gestos molhava-lhe os pés descalços e ela mexia os dedos úmidos com excitação e clareza. As mãos livres, ela então cuidadosamente galgava a margem até a extensão plana . No pequeno pátio de cimento depunha a sua riqueza. Misturava o barro à água, as pálpebras frementes de atenção — concentrada, o corpo à escuta, ela podia obter uma porção exata de barro e de água numa sabedoria que nascia naquele mesmo instante, fresca e progressivamente criada. Conseguia uma matéria clara. e tenra de onde se poderia modelar um mundo.

O dia das crianças está chegando! Hoje é dia de brincar nesta oficina!!!
Foram espalhados brinquedos de antigamente: peteca, boneca de pano, bonequinha de sabugo de milho, palhacinho colorido, telefone de lata com barbante, trapezista de madeira, catapulta de madeira, e jogo de saquinhos de areia para jogar "pedrinha". Esses brinquedos são exemplos de como se brincava antes da televisão, antes do video game e muuuuito antes do computador.
Oficina Idéias e Ideais – 23 de setembro de 2009 – Ana Maria


Para que não esqueçamos que brincar é a atividade mais importante na vida das crianças, estamos aqui com brinquedos que podem resgatar as crianças de dentro de nós.

Foram brinquedos assim que nos fizeram as pessoas que somos, seguros críticos, e confiantes de nossas opiniões.

Os brinquedos eram exploratórios, naturais e de interatividade pessoal. Raro o brinquedo que fazia a criança praticar solitariamente, daí a qualidade de amizade que se formava entre grupos, quando juntos os meninos trafegavam pela estradinha de terra com seus caminhões de madeira, ou faziam girar os piões em competições saudáveis. As meninas acariciavam bonecas e fingiam serem donas de uma casinha.

Brincava-se de escolinha por ser a escola outro reduto de aprendizado e não havia quem, na infância, não almejasse ser professor dada a importância desse profissional para as crianças.

Na infância brincava-se e estudava-se. Mas ao mesmo tempo, e quase sem perceber, as crianças aprendiam dar e obter respeito aos mais velhos, comportamento, e higiene. Estavam tornando-se cidadãos. Cresciam com metas e lutavam por elas. Aprendiam logo que deveriam preocupar-se consigo mesmos e que deveriam ser responsáveis por tudo que faziam: coisas boas e ruins.

Os pais eram mais severos, menos participativos para garantirem aos filhos a autoridade da obediência e da retidão. Já as mães eram mais domésticas, amorosas e interagiam em quase tempo integral com as crianças, faziam assim a ponte de ligação da criança com o pai.
Os lares eram brindados pela harmonia e pela compreensão de todos os seus participantes. Havia uma completa e profunda preocupação com a imagem dos pais em relação aos filhos, para que o exemplo fosse sempre o melhor e mais direito possível.

Não havia a crítica fase da adolescência, pois os jovens nessa fase já estavam engatilhados em metas para a vida.

Raramente podia se deparar com um riso do pai. Mas quando isso acontecia era motivo de felicidade para todos. O chefe do lar interagindo, era sinônimo de paz e felicidade.

Atualmente com os brinquedos eletrônicos e solitários, que impulsionam as crianças às atitudes de “guerra”, com vocabulários xulos que denigrem a origem e o futuro delas, devemos nos preocupar com isso e a partir de agora ignorar o tempo que passou alimentando a interatividade entre as pessoas, principalmente entre as crianças. Desliguem a televisão para sempre. Abram livros para sempre...
(texto de Ana Maria Maruggi)

1)Em sala: Vendo esses brinquedos, e seguindo o roteiro de criação de personagens que aprendemos na última reunião, vamos criar uma personagem infantil (dando a ela personalidade física e psicológica, estabelecendo para ela um espaço (lugar) e definindo esse lugar), contando uma passagem CURTA (15 linhas apenas) dessa criança em tempos passados brincando com um desses brinquedos. Façam esse texto de maneira que o narrador não esteja presente no texto, isto é, o texto deverá ser narrado na 3ª pessoa (quem não for ao encontro deve fazer os exercícios também).

2)Para o blog: fazer um texto onde o narrador esteja presente no texto (escrever na 1ª pessoa) e que a personagem seja atual com lembranças antigas. Texto curto de até 20 linhas. Mande por e-mail para: oficinaideiaseideais@gmail.com
(quem não for ao encontro deve levar este exercício para o próximo encontro).

Para os textos: Evitem: “frase feita”, “lugar comum”.
Procurem investir em palavras novas.
Escrevam parágrafos bem curtos.
Depois de prontos os textos, releiam e imaginem que vocês são os leitores, e tenham autocrítica: seu texto “pega” o leitor ou não passa de uma narrativa simples que só interessa para você? Se for assim, reescreva e adéqüe palavras “diferentes” para que o leitor tenha interesse de ler até o final.
Não esqueça de que a forma como o texto está “apresentado” é muito importante para que o leitor “comece” a ler o texto.
Pegue-o primeiro pelo “visual”.
Depois pelo título.
E em seguida pelo primeiro parágrafo.
Finalmente dê ao leitor um bom texto para que ele tenha vontade de ler tudo o que você escrever.

Nenhum comentário: