terça-feira, 14 de outubro de 2008

O português que se fala e o português que se escreve - Oficina do dia 14 de Outubro


OFICINA IDÉIAS E IDEAIS

O português que se fala e o português que se escreve.

2º encontro na Livraria Cortez – 14 de outubro de 20008


Além de se constituir nas duas modalidades (oral e escrita), a língua varia no tempo e no espaço, em toda e qualquer comunidade. E há ainda as variações dos grupos sociais (jovens, grupos de profissionais, etc) e até mesmo, há variação quando um único indivíduo, em situações diferentes, usa diferentemente a língua, de forma a se adequar ao contexto de comunicação.

Imagine que você foi a um hospital e ouviu um médico conversando com outro. A certa altura, um deles disse: "Em relação à dona Fabiana, o prognóstico é favorável no caso de pronta-suspensão do remédio. "

É provável que você tenha levado algum tempo até entender o que o médico falou.

Agora suponha que o mesmo médico acima referido, falando com a paciente em questão, tenha dito, sobre o fato que foi o tema da conversa com o colega, ouvida por você: "Bem, dona Fabiana, não haverá problema se o remédio for suspenso".

Essa situação exemplifica uma característica de toda e qualquer língua no mundo: sua variação, a depender de vários fatores, tais como: as regiões do país; o tempo histórico; os grupos sociais distintos; as situações de comunicação diversas.

Variações sociais

Você conhece o "Dicionário dos Mano"? Aqui vão alguns exemplos:

Mano não briga: arranja treta. / Mano não cai: capota. / Mano não entende: se liga. / Mano não passeia: dá um rolê. / Mano não come: ranga. / Mano não fala: troca idéia / Mano não ouve música: curte um som.

Variações regionais

Se você fizer um levantamento dos nomes que as pessoas usam para a palavra "diabo", talvez se surpreenda. Há uma quantidade enorme de termos usados para designar esse "ser do mal". Em diversas culturas, não se pode usar o nome dele, pois acreditam que há o perigo de evocá-lo, isto é, de que o demônio apareça, pelo simples fato de ter sido dito seu nome. Assim, para se evitar que ele surja, muitas pessoas usam outros nomes para ele.

No famoso livro "Grande Sertão: Veredas", Guimarães Rosa usa uma linguagem muito característica do sertão centro-oeste do Brasil, que foi fruto de muita pesquisa local por parte dele. Veja como o escritor usou muitas designações para "diabo" na referida obra:

Demo/ Demônio /Que-Diga Capiroto /Satanazim/ Diabo /Cujo Tinhoso /Maligno Tal /Arrenegado Cão/ Cramunhão/ O Indivíduo /O Galhardo /O pé-de-pato /O Sujo/ O Homem /O Tisnado/ O Coxo /O Temba /O Azarape /O Coisa-ruim /O Mafarro /O Pé-preto /O Canho/ O Duba-dubá/ O Rapaz /O Tristonho/ O Não-sei-que-diga /O Que-nunca-se-ri/ O sem gracejos/Pai do Mal / Terdeiro/ Quem que não existe /O Solto-Ele /O Ele Carfano /Rabudo.

Agora leia esse saboroso relato, que transcreve a forma mineira de falar:

Sapassado, era sessetembro, taveu na cuzinha tomando uma pincumel e cuzinhando um kidicarne com mastumate pra fazer uma macarronada com galinhassada. Quascaí de susto, quandoví um barui vinde dendoforno, parecenum tidiguerra. A receita mandopô midipipoca denda galinha prassá. O forno isquentô, mistorô tudu e a galinha ispludiu! Nossinhora! Fiquei branco quinein um lidileite. Foi um trem doidimais! Quascaí dendapia! Fiquei sensabê doncovim, proncovô, oncotô. Oiprocevê quelocura! Grazadeus ninguém semaxucô!

Variações históricas

Leia um trecho de Carlos Drummond de Andrade, grande escritor brasileiro, que elabora seu texto, a partir de uma variação lingüística, relacionada ao vocabulário usado em uma determinada época no Brasil.

Antigamente

"Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio."

Como escreveríamos o texto acima em um português de hoje, do século 21? Toda língua muda com o tempo. Basta lembrarmos que do latim, já transformado, veio o português, que, por sua vez, hoje é muito diferente daquele que era usado na época medieval.

Diferentes situações de comunicação

Uma mesma pessoa pode escolher uma forma de linguagem mais conservadora numa situação formal ou um linguajar mais informal, em situação mais descontraída. Quantas vezes, isso não acontece conosco, no cotidiano? Na família e com amigos, falamos de uma forma, mas numa entrevista para arranjar um emprego é muito diferente. Essas diferenças lingüísticas dependem de: familiaridade ou distância dos que participam do ato de linguagem; grau de formalidade da ocasião; tipo de texto usado: conferência, conversa, artigo etc.

Portanto, para saber se adequar a diferentes situações de comunicação, com variações lingüísticas próprias de cada ocasião, você precisa ser um "poliglota na própria língua"...

Nosso país multilíngüe

Nosso país é constituído de muitos falares: as variedades da língua portuguesa, as línguas indígenas, as línguas dos imigrantes, as expressões das línguas africanas, além das línguas de fronteira do Brasil com os países da América do Sul.

Mas também é verdade que os vários falares, no Brasil, não têm o mesmo prestígio social. Basta lembrarmos de algumas variações usadas por pessoas de determinadas classes sociais ou regiões, para percebermos que, há preconceito em relação a elas.

Vamos pensar um pouco mais a respeito, lendo algumas estrofes de um longo e belo texto de Patativa do Assaré, um grande poeta popular nordestino.

O Poeta da Roça
Sou fio das mata, canto da mão grossa,
Trabáio na roça, de inverno e de estio.
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de paia de mío.

Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argun menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.

Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! Vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.

Meu verso rastero, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.

Você acredita que a forma de falar e de escrever comprometeu a emoção transmitida por essa poesia? Bem, o grande Patativa do Assaré era analfabeto (sua filha é quem escrevia o que ele ditava), mas sua obra atravessou o oceano, pois além de sensibilizar os brasileiros, ficou conhecida na Europa, especialmente na França, pela sua intensa sensibilidade poética.

Leia agora, um poema de um intelectual e poeta brasileiro, Oswald de Andrade, que, já em 1922, enfatizou a busca por uma "língua brasileira".

Vício na fala
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados

Uma certa tradição cultural nega a existência de determinadas variedades lingüísticas dentro do país, o que acaba por rejeitar algumas manifestações lingüísticas por considerá-las deficiências do usuário. Nesse sentido, vários mitos são construídos, a partir do preconceito lingüístico.

* Alfredina Nery é professora universitária, consultora pedagógica e docente de cursos de formação continuada para professores na área de língua, linguagem e leitura.

AGORA VAMOS POR A MÃO NA MASSA!


Oficina idéias e ideais – 14 de outubro de 2008

Texto para escrever em sala: (Narração com Diálogo)

Imagine uma aeromoça em conversa com um passageiro da primeira classe que insiste em tirar toda a roupa durante o vôo.

Ou um sério apresentador de programa de televisão em conversa ao vivo com um bêbado que tenta suicídio por causa da lei seca.

Ou ainda um pobre e analfabeto vendedor ambulante que insiste na oferta de produto desinteressante.


Texto para o blog: (vamos começar a escrever este texto em sala)

Após o casamento repentino por conta de uma paixão avassaladora, a esposa descobre a vida marginal que leva seu marido...

Escreva um conto aonde essas descobertas vão fazendo a mulher tomar decisões na vida matrimonial: ela poderá ser sua cúmplice nos crimes dele, denunciá-lo, tentar regenerá-lo, ignorar sua descoberta, ou...

Não se esqueçam de tudo que já foi falado: cuidado com a descrição do personagem e do cenário escolhido. Cuidado com as falas. Escolha dos nomes adequados para os personagens. Dê um título que atraia o leitor. Releia seu texto tantas vezes quantas forem necessárias.

O texto mais original, mais bem escrito, ganhará destaque especial no blog.

Um comentário:

Ana_Paula disse...

Olá, parabéns pelo Bolg.
Os textos são muito úteis, especialmente a estudantes de línguas.

Gostaria de fazer uma pergunta sobre o texto : Vicio na Fala.

Sei que p texto foi construído utilizando uma variante diatópica (regional, mas estou em dúvida quanto a qual subsistema da língua figura a variação apresentada pelo poema.

Fiquei em dúvida entre fonética ou morfológica.

Se puder ajudar, desde já agradeço.

Abraço!