quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Hernandes, o baú e o livro

Texto de Gabriela Araujo


O velho livro de história não conseguia mais entender o mundo. Foi no ano de muitos anos atrás que o culto e sábio contador das mais fantásticas histórias, desbravador dos sete mares e único dono da verdade fora deixado servindo de apoio para sanar o rebolado instável do baú responsável pelas freqüentes brigas matrimoniais e por ocultar irrelevantes objetos dos Lima .

Aquele móvel era misteriosamente secular, única herança, cuja dona Carmela fazia questão de exaustivamente insultar, recebida por parte da família de Hernandes. De fato, o baú não era funcional e quando posto como peça decorativa capaz de estabelecer desarmonia entre cores e desordem no minucioso espaço organizado por Dona Carmela.


Como era pesado o coitado! Seu destino não poderia ser diferente. Encontrou repouso junto a estante de livros no escritório de Hernandes, único cômodo protegido e intocado pelas garras da Dona.


Até a chegada do baú, o livro havia encantado noites, aquecido corações das donzelas, encantado crianças, ludibriado a vontade dos jovens para guerras e a ganância de Hernandes pela vida.

Quando colocado como apoio ao imprestável, torto de tantos insultos, remoeu seu trágico medíocre fim. E remoer era o única coisa que pode fazer nos muitos anos depois até ser resgatado pelo inventário.


Ocioso, o fantástico observou como tudo estava tão diferente, a começar pelo sopro do vento nas páginas amareladas. Soube, logo na releitura dos parágrafos iniciais, a estapafúrdia novidade, incabível para o detentor de páginas de celebrações e distintas crenças, o jovem milagre negava a noite de natal.

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